sábado, 14 de janeiro de 2017

Hiperpaternidade...


Ontem eu li uma entrevista no El País, do psicólogo José Antonio Luengo, sobre as consequências que a “nova” forma de criação dos filhos podem gerar na adolescência e até na fase adulta. Achei muito interessante. Ele apontou o que eu realmente acredito.

Ouço muito por aí que a Alice é muito “avançada” para a idade dela, por ser segura ao desbravar as suas descobertas individuais. Eu não concordo com esse ponto de vista, acho a que a minha filha acompanha bem as evoluções da idade dela. Mas acredito que a forma da criação influencia diretamente no comportamento dela e de qualquer criança.

Como todos por aqui sabem, eu já tive dois filhos e ambos tiveram criações totalmente diferentes. Apesar das condições de saúde do Davi, para mim a diferença não está aí, mas sim nos excessos de proteção. Sempre comparei o Davi a crianças com a mesma cardiopatia dele. Mas, na época, parecia que só eu que fazia essa comparação. Resultado, para mim, o desenvolvimento dele foi lento e tardio.

Já com a Alice, eu agarrei na minha meta materna de criá-la para o mundo, para ela ser segura o suficiente para desbravar tudo o que quiser. Eu sempre digo que não existe forma certa ou errada para criar filho, cada um conhece os seus limites, tem a sua cultura individual e ideologias. Mas, muitos comportamentos da minha filha me mostram que o estou no caminho certo dos meus objetivos pessoais.

Eu sou chata e sistemática para muita coisa; sei falar NÃO e não cedo para choro, muito menos para birras; frustrações são muito importantes para a vida; lágrimas não são sinônimos de fraquezas, muitas vezes são o que dão mais força (senti isso na pele entre tantas cruzes que já carreguei); comprar o afeto dela com presentes está fora do meu orçamento; ensinar a dar bom dia e a usar por favor e obrigada sempre; eu prefiro que ela compartilhe a respeitar o momento pessoal que ela não esteja afim... Estou certa? Estou errada? Para quê seguir manuais de boas condutas? Hoje acredito em tudo isso, mas estou aberta a mudanças contínuas, afinal, maternidade é isso, deixar a língua triturada de tanto morder.

Falei, falei, para compartilhar a entrevista do El País. Achei tão interessante. Vale a pena ler. Confiram!

“A hiperpaternidade gera adolescentes com muitos medos”

O psicólogo José Antonio Luengo adverte sobre o perigo de tentar evitar todas as frustrações dos filhos

GEMA LENDOIRO

Os adolescentes de hoje são como os de antes? Assistimos a uma nova maneira de abordar essa mudança na vida de todo ser humano? Muitas vozes alertam, há algum tempo, que o excesso de proteção não é nada benéfico para as crianças que crescerão sem saber assumir responsabilidades. José Antonio Luengo, psicólogo espanhol especializado em adolescência, reflete sobre como mudaram os paradigmas da educação dos filhos de três décadas para cá e quais são as consequências.

Pergunta. Para começar, o que é a adolescência e quais fases da vida ela engloba?
O psicólogo
José Antonio Luengo
Resposta. A adolescência é uma fase da vida, uma etapa crucial do desenvolvimento, marcada por mudanças orgânicas, fisiológicas, cognitivas, psicológicas e emocionais notáveis e muito significativas na configuração definitiva da personalidade; que nos faz e fará alguém diferente de todos os que nos rodeiam. Falamos de um período que engloba, com flexibilidade, desde os 11-12 anos até os 16-18, dependendo sempre de fatores pessoais, individuais, sociais e culturais. O adolescente é um ser que, em termos precisos, cresce e aprende a crescer. A palavra, etimologicamente, remete a esse princípio: um ser que está crescendo. Com os conflitos, incertezas, dúvidas e surpresas que isso implica. Para o próprio adolescente e os que o rodeiam.


P. A adolescência de hoje difere em algo daquela que tiveram os que hoje são pais?

R. Existem diferenças e não são poucas. Mas, provavelmente, temos muito mais coisas em comum do que pensamos hoje. A revolução hormonal e fisiológica ocorre, as mudanças físicas e psicológicas... A crise inerente a uma mudança tão drástica e aparentemente inesperada. As dúvidas, a ansiedade de saber, de ser. A impulsividade, a desproporção, o desequilíbrio. E certa condição de rebeldia e oposição ao estabelecido pelos pais e pelo entorno. Algumas coisas nos diferenciam, claro. Estão relacionadas, sem dúvida, com o modo como vivemos, com a forma como as coisas estão organizadas hoje, ao contrário de ontem. Influem nessas diferenças o modo como nós, adultos, vivemos e como os fazemos viver, as características das famílias de hoje, como organizamos suas vidas, o papel desempenhado pelas tecnologias, e seu fácil acesso a um mundo “inabarcável”...

P. Sabe-se que as situações econômicas determinam em grande parte a forma de educar. O senhor acredita que os jovens nascidos numa época de maior desenvolvimento econômico foram educados numa cultura de pouco esforço e de ter tudo sem merecer só porque seus pais não o tiveram?

R. Eu sinceramente acredito que sim. Sempre é simplificador fazer uma afirmação categórica, mas não faltam evidências disso. Considerar que você é “melhor” pai ou mãe em função das possibilidades de acesso aos bens materiais que seus filhos têm, evitar suas incertezas e “facilitar-lhes” tudo o que tem de viver e experimentar foram (e ainda são) princípios educacionais obtusos e, com certeza, contraproducentes. Alguns descreveram esse fenômeno como uma forma de “takeover amigável” da infância. “Eu te compro” com tudo o que te dou porque não tenho tempo para estar com você, para cuidar de você, te ouvir e te educar como deveria... E como você precisaria.

P. Eu quero/eu tenho. E se não for assim, então me frustro, tenho traumas, me drogo, bebo, tenho relações sexuais muito cedo e com muitas pessoas... Faz sentido? Não estaríamos sendo permissivos? Ou há lugar para a esperança?

R. Hoje surge um termo muito interessante, o de pais “helicópteros”, numa clara alusão a uma maneira de gerir a educação dos filhos, baseada na hiperproteção. Uma espécie de hiperpaternidade, que vê os filhos como seres intocáveis, que, no fim, acabam tendo mais medos do que nunca. Pais que sobrevoam sem trégua as vidas dos filhos (daí o helicóptero), pendentes de todos os seus desejos e necessidades. O mundo parece acabar se seus filhos hesitam, se aparecem frustrações, preocupações. Se eles se entristecem ou, um dia, se zangam com os amigos. Envolver-se na vida dos filhos é inerente, é claro, a um exercício adequado da autoridade parental. Outra coisa é o ofuscamento pela perfeição, pela necessidade, quase obsessiva, de que sejam os melhores em tudo. Em tudo.

P. Sessenta anos atrás, se educava na base do cinto ou da chinelada e agora se educa tratando de não traumatizar a criança. Será que a virtude está, nesse caso, no meio-termo? O que ganhamos e perdemos com respeito à geração dos nossos pais?

"Crescer significa 
enfrentar, cair, saber 
se levantar, ajudar quem 
está em dificuldade. E também 
saber chorar e enxugar as lágrimas..."

R.  Falando do nosso ambiente social, o de um país desenvolvido, devemos insistir numa ideia. As crianças nunca foram tão bem “tratadas” desde que nos conhecemos como seres humanos. Nunca o ordenamento jurídico que protege os direitos das crianças e adolescentes adquiriu tanto valor, rigor, seriedade, critério e eficiência. O segredo, se existe um, é educar a partir do equilíbrio, atendendo às necessidades dos nossos filhos com esmero. E isso implica, inevitavelmente, em entender a frustração como uma experiência imprescindível. Entender que o “não” também educa, que são imprescindíveis a dor, a insatisfação, a dúvida, o conflito. Que é necessário que os adolescentes enfrentem o “não posso” ou o “não sei”, e saibam enfrentar as situações. Com autonomia.

P. Hoje os pais estão mais perdidos do que antes?

R. Apesar de tudo o que sabemos e aprendemos sobre educação, embora as condições de vida tenham melhorado notavelmente em relação a épocas anteriores (sempre em termos gerais e sem esquecer situações desfavorecidas que não devem ser negligenciadas), educar, hoje, é um processo muito complexo. Muitos fatores influem. Pais e mães sabem com certeza que o mundo mudou e que nossos filhos não necessariamente vão melhorar as condições de vida que nós, seus pais, tivemos ou temos. E aparecem muito mais dúvidas. E a obsessão, a preocupação de que não lhes falte nada, que sejam os melhores, competitivos... E certos papéis podem se perder nesse processo. As condições de vida também fizeram com que tenhamos menos filhos. E se perdem coisas. Os irmãos cobriam, e cobrem, uma parte substancial da experiência de crescer em companhia.

P. A falta de compromisso é uma das características da adolescência, mas que agora perdura depois dos 18 anos e isso tem que ter uma razão. O senhor saberia dizer qual?

R. Sou daqueles que pensam que, apesar das circunstâncias descritas, temos os melhores adolescentes e jovens de toda a nossa história. Mas nós não os ajudamos com princípios e critérios educativos de hiperproteção. Muito pelo contrário. Organizar a vida deles a partir do conforto sem fim não é o caminho. Estamos nos enganando. Crescer significa enfrentar, cair, saber se levantar, ajudar aquele que dobra o joelho ao seu lado, quem está em dificuldade. Crescer também significa saber chorar e saber enxugar as lágrimas. E continuar. Crescer significa se esforçar e ter disciplina. Automotivar-se em cada tarefa, em cada momento. Estes são, queiramos ou não, princípios essenciais do manual do bom pai, do bom educador. Será que nós não percebemos?

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